quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

10% dão cadeia e 15% garantem liberdade?

O ministério público estadual me lembrou muito, nos últimos dias, um livro de época de David Nasser, que os "Diários Associados" e principalmente a revista "O Cruzeiro" projetaram como um dos principais repórteres brasileiros dos anos quarenta aos setenta. Trata-se de "Falta Alguém em Nuremberg", que David Nasser escreveu enquanto se desenrolava na Alemanha o julgamento em que, na falta de leis precedentes, os vencedores da segunda guerra mundial sentenciariam os criminosos alemães do Terceiro Reich.

A ausência que senti não era a do chefe de polícia Felinto Muller, o personagem de Nasser. Foi a dos ex-governadores Iberê Ferreira de Souza e Wilma de Faria entre os norte-rio-grandenses que a juíza Emmanuella Cristina Pereira Fernandes contemplou com mandados de prisão preventiva na semana passada, alojando no quartel general da polícia militar alguns conterrâneos suspeitos de praticarem vários crimes a partir da formação da quadrilha que exploraria o Rio Grande do Norte através da inspeção veicular e do registro em cartório de contratos de financiamentos de veículos automotivos.

Esta falta chamou a atenção por uma simples questão matemática. Responsáveis pelas investigações, coleta de provas e argumentação legal que sedimentariam a decisão de prender pelo menos nove potiguares na madrugadinha da última quinta-feira, os promotores que integram o grupo de combate ao crime organizado, no âmbito do ministério público estadual, me pareceram ter errado na conta.

Consideraram 10% maiores e mais graves do que 15% ao cuidarem de propinas que o braço "empresarial" da quadrilha concordara em pagar aos agentes públicos que precisou corromper para obter do governo do Rio Grande do Norte o monopólio da inspeção veicular. Para se ter idéia do tamanho do bolo financeiro da falcatrua, só uma espécie de pré-requisito para a consolidação do golpe, a imposição da obrigação de registrar em cartório, também em regime de monopólio, todos os contratos de financiamentos de veículos automotores vendidos no Rio Grande do Norte ensejou, em menos de um ano, ganho de entre nove milhões e dez milhões de reais à quadrilha.

Nessas contas, acertou-se tudo. O que me pareceu erro crasso foi a relativização dos 10% de propina acertados com o professor e ex-deputado João Faustino Ferreira Neto, ex-secretário de Educação da prefeitura de Natal e do governo potiguar, no faturamento do consórcio Inspar, que exerceria o monopólio maior, o da inspeção veicular, e como pré-condição no do registro cartorial. Nos quesitos "culpa" e "punição", esta propina ficou maior do que os 30% que o advogado e empresário George Olímpio, apontado como "capo de tutti il capo" da quadrilha, teria acertado, separadamente, com Wilma e Iberê, cabendo a cada um 15% da bolada.

Senão, vejamos.

Por menos, 10%, João Faustino foi premiado com a decretação de uma prisão preventiva que vem resistindo a pressões de norte a sul e já se transformou em motivo de reuniões de cúpulas nacionais de partidos. Faustino é "Senador Suplente" do PSDB do Rio Grande do Norte.

Por mais, por 15%, Wilma e Iberê não receberam igual tratamento, fazendo falta no quartel.

Esta foi a primeira vez, na história da corrupção em Natal, em que os agentes da lei finalmente conseguiram catalogar Wilma como corrupta, apensando-lhe o carimbo de ré que até então vinha se espargindo sobre sua família sem contudo atingi-la diretamente. Até então, ela era mãe de filhos mantidos sob a suspeita de praticarem vários crimes que se coletivizam como corrupção ativa e passiva, graças a performances que se sucedem desde o escândalo do "Ouro Negro" até à "Operação Higia", passando pelo "Foliaduto" e pela destruição do Movimento Estadual de Organização e Integração Social (Meios).

A culpa dos filhos até lhe vinha valendo manifestações de solidariedade, pelo fato de protagonizar o papel de mãe inocente surpreendida pelas estripulias das crias.

Da ultrapassagem no "Sinal Fechado" em diante, ela seria o próprio acusado. Seria também o primeiro momento em que Wilma, presidente do diretório potiguar do PSB, vestiria o figurino da lei da Ficha Limpa, talvez inviabilizando sua candidatura à prefeitura de Natal em 2.012.

Se receberia mais do que João Faustino, no tabelamento da corrupção investigada, por que, então, diferentemente dele, dona Wilma não foi presenteada com um mandato de prisão? Será que para o ministério público 10% são mais do que 15%?

Matutei enquanto pude, lendo sobre o caso nos jornais natalenses. Eles produziram boa cobertura sobre a ofensiva policial da quinta-feira e seus desdobramentos, como o recurso à delação premiada que teria levado o empresário conhecido como "Gilmar da Montana" a fornecer acusação definitiva de que a Wilma e Iberê haviam sido oferecidos os 15% que os teriam motivado a apensar a sanção governamental à gestação dos monopólios.

Mas foi na imprensa do centro-sul do país que encontrei uma idéia do que pode explicar a aritmética adotada pelo "parquet". Foi nas notícias sobre a afetação dos bens pertencentes ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, por conta de monopólio semelhante imposto aos paulistas. Elas sugerem que João Faustino pode ter exercido aqui e na paulicéia um papel de maior destaque do que Iberê e Wilma na concessão fraudulenta de monopólios de inspeção veicular em diferentes regiões do país. Ele foi sub-chefe da Casa Civil do governo do Estado de São Paulo, na gestão José Serra e sob as ordens do hoje senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

Os investigadores suspeitam de que Faustino teria se destacado muito no que houve de irregular na escolha do agente da inspeção veicular em São Paulo. Prisões efetuadas por determinação em Natal podem respingar em políticos paulistas, e investigações em curso, simultaneamente, nas duas unidades federativas, têm potencial para mostrar uma conexão entre os procedimentos fraudulentos adotados lá e em estados onde a escala é menor.

Wilma e Iberê seriam políticos menores, corrompidos decerto porque tinham a caneta governamental num Estado pequeno.

Os próximos lances desse jogo de justiça inocentarão João Faustino ou comprovarão que 10% em São Paulo e outros estados são mais do que 15% em Natal.
Fonte: http://www.nominuto.com/blog/roberto-guedes/

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